Aula 0 - 4º bimestre
1. Mecanismos Eletroquímicos da Corrosão
1.1 A célula galvânica — revisão e aprofundamento
Como já apresentado na aula inicial, uma célula galvânica é formada quando dois metais diferentes (ou duas zonas metálicas com potenciais diferentes) estão em contato elétrico, em presença de um eletrólito, permitindo passagem de íons e elétrons.
Para recapitular e aprofundar:
  • Ânodo: região onde ocorre oxidação (perda de elétrons).
  • Cátodo: região onde ocorre redução (ganho de elétrons).
  • Eletrólito: meio condutor iônico que fecha o circuito (solução aquosa com íons).
  • Corrente iônica (no eletrólito) + corrente eletrônica (no metal) completam o circuito.
Por exemplo, imagine um sistema ferro (Fe) em contato com cobre (Cu) imersos numa solução aquosa contendo íons ácidos ou salinos. Como o ferro possui potencial de oxidação mais negativo que o cobre, o ferro atuará como ânodo e sofrerá oxidação, enquanto o cobre será o cátodo, onde ocorrerá a redução de íons presentes no meio (por exemplo, redução de íons hidrogênio). Nesse cenário, o ferro é corroído mais rapidamente.
Matematicamente:
Reação no ânodo (oxidação): Fe → Fe²⁺ + 2 e⁻
Reação no cátodo (redução, exemplo de íons H⁺): 2 H⁺ + 2 e⁻ → H₂(g)
Reação global: Fe + 2 H⁺ → Fe²⁺ + H₂ ↑
Nesse sistema, observa-se que os elétrons liberados pelo ferro são absorvidos pelos íons H⁺, produzindo hidrogênio. A presença do eletrólito permite o movimento de íons para manter a neutralidade elétrica.
Observação: outras reações catódicas poderiam ocorrer (ex.: redução de oxigênio dissolvido: O₂ + 4 H⁺ + 4 e⁻ → 2 H₂O), dependendo da composição do meio.
Fatores que influenciam a formação da célula galvânica:
  1. Diferença de potencial elétrico entre os metais: quanto maior a diferença, maior a tendência de corrosão acelerada.
  1. Condutividade elétrica do eletrólito: soluções com alta concentração iônica favorecem a passagem de corrente.
  1. Área relativa do cátodo em relação ao ânodo: se o cátodo for muito maior comparado ao ânodo, a corrente dirigida ao ânodo será elevada, acelerando sua corrosão.
  1. Distância entre as partes metálicas e distribuição de elétrons e íons.
1.2 Corrosão por dissolução anódica
Além da célula galvânica tradicional, pode ocorrer corrosão por dissolução metal → íons sem a necessidade explícita de outro metal, em um cenário onde há oxigênio dissolvido ou outros oxidantes presentes. Nesse caso:
  • A oxidação do metal ocorre em regiões locais (ânodos) onde o potencial é mais desfavorável.
  • A redução, por exemplo de oxigênio, ocorre em regiões cátodicas localizadas adjacentes.
Um exemplo comum em estruturas metálicas imersas em água ou em ambientes úmidos com oxigênio dissolvido:
  • Reação anódica: M → Mⁿ⁺ + n e⁻
  • Reação catódica: O₂ + 4 H⁺ + 4 e⁻ → 2 H₂O (em meio ácido) ou O₂ + 2 H₂O + 4 e⁻ → 4 OH⁻ (em meio neutro ou alcalino)
Nessa forma de corrosão, não é sempre necessário haver dois metais distintos — basta que existam zonas com pequenas diferenças de potencial eletroquímico (por exemplo, impurezas metálicas, tensões, microstructuras distintas no próprio metal).
1.3 Tipos localizados de corrosão
A corrosão nem sempre é uniforme. Alguns tipos relevantes:
  • Pite (pit corrosion): pequenas cavidades ou furos. Inicia-se por danos locais na camada protetora ou em regiões com concentração iônica especial.
  • Fresta (crevice corrosion): ocorre em fendas ou junções onde o eletrólito é restrito, favorecendo concentração de íons agressivos.
  • Corrosão sob tensão (stress corrosion cracking — SCC): combinação de tensão mecânica e ambiente corrosivo.
  • Intergranular: ocorre nos contornos de grão (ex: em tratamentos térmicos).
  • Corrosão por desgaste (tribocorrosão): combinação de atrito e ambiente corrosivo.
Esses mecanismos são perigosos porque tendem a progredir sem aviso visual amplo, podendo perfurar ou gerar falhas abruptas.
2. Métodos de Proteção contra a Corrosão
Compreendido o mecanismo, passamos à segunda parte: prevenção e controle da corrosão. Os principais métodos são:
2.1 Escolha de materiais resistentes à corrosão
  • Ligas metálicas específicas (ex: inoxidáveis) que formam uma camada passiva natural.
  • Materiais não metálicos (plásticos, compósitos) onde possível.
2.2 Passivação
Tratamento químico ou eletroquímico que induz formação de uma camada protetora (óxidos, nitretos) finos e aderentes que limitam o fluxo de íons/eletrodos.
Exemplo: aço inoxidável (crômio presente) forma uma fina camada de óxido de cromo que protege a superfície.
2.3 Revestimentos protetores
  • Pinturas: barreira física contra contato com o meio agressivo.
  • Galvanização (zincagem): revestimento de zinco que serve como ânodo de sacrifício para o aço.
  • Eletrodeposição (cromagem, niquelação)
  • Anodização (para alumínio): forma camada de óxido de alumínio resistente
  • Envelopamentos plásticos ou cerâmicos
2.4 Proteção catódica
Método eletroquímico que inverte ou reduz a corrosão atuando como proteção:
  • Ânodo de sacrifício: metal mais ativo (ex: magnésio, zinco) conectado ao metal a proteger. O ânodo é corroído em seu lugar.
  • Proteção por corrente impressa: corrente externa aplicada que polariza a estrutura, prevenindo que ela se torne ânodo.
2.5 Inibidores de corrosão
Substâncias químicas adicionadas ao meio (ex: em fluidos internos de dutos, sistemas fechados) que interferem nas reações anódicas ou catódicas, reduzindo a taxa de corrosão. Exemplos: compostos de nitrito, fosfato, cromatos, inibidores orgânicos (moléculas “adsorventes”).
2.6 Manutenção, monitoramento e inspeção
  • Inspeções regulares (visuais, ultrassom, ensaios não destrutivos)
  • Manutenção preventiva (reparo de fissuras, repintura)
  • Monitoramento eletroquímico (como método de polarização linear para estimar taxa de corrosão)
  • Monitoramento de pH, oxigênio dissolvido, concentração iônica no meio.
3. Aplicações Práticas e Exemplos
3.1 Exemplos industriais
  • Em dutos de transporte de petróleo: uso de proteção catódica e pinturas especiais para evitar perfurações e vazamentos.
  • Em pontes metálicas: revestimentos e inspeção periódica para evitar colapso estrutural.
  • Em instalações químicas ou usinas: uso de materiais resistentes e sistema de inibidores nos fluidos corrosivos.
3.2 Estudo de caso hipotético (atividade)
Imagine uma tubulação de aço ao longo de um trecho marítimo (água salgada). Você deve propor um sistema de proteção:
  1. Qual revestimento escolher? (galvanização, pintura especial, uso de ligas resistentes)
  1. Se usar proteção catódica, qual método seria mais adequado (ânodo de sacrifício ou corrente impressa)?
  1. Que tipo de inibidor poderia ser adicionado ao fluido interno da tubulação?
  1. Qual estratégia de manutenção preventiva e monitoramento você propõe?
Os alunos devem justificar com base nos conceitos vistos (diferença de potencial, condutividade, vazão, custos, durabilidade).
4. Exercícios Propostos
  1. Explique por que, em um sistema de proteção catódica, o metal de sacrifício “sofre” a corrosão em lugar da estrutura que se almeja proteger.
  1. Um tanque metálico de aço-carbono está imerso numa solução que apresenta oxigênio dissolvido. Proponha as reações de oxidação e redução esperadas.
  1. Diferencie inibidor anodizante e inibidor catódico; cite exemplos de cada.
  1. Dê um exemplo prático de corrosão sob tensão (SCC), explique os fatores necessários para sua ocorrência e proponha medidas mitigadoras.
  1. Em ambientes marinhos, qual é o perigo para estruturas metálicas submersas e qual o método de proteção mais comumente aplicado? Explique.